sábado, setembro 03, 2005

A tua música

Ando há uma semanita para falar deste senhor.

Conhecemo-nos no aeroporto de Lisboa, numa madrugada de há três anos atrás (o meu texto saiu a 8 de Setembro de 2002, temos que fazer uma festa para comemorar a efeméride - o que achas?), andava o terceiro maior construtor sul-coreano - depois de uma "falência estratégica" que levou milhares ao desemprego, que incendiou (literalmente) uma cidade, cujo nome era qualquer coisa como Pyong não sei o quê -; dizia eu: andava a Daewoo Motors, que tinha sido comprada por tuta e meia, pelo número um mundial, GM , a tentar provar ao mundo ocidental que não era só uma marca barata; que era uma marca barata, com bom equipamento, boa qualidade e, pasmece, com design (o modelo em causa, que tem um nome muito infeliz no mercado português, Kalos, foi desenhado pelo Giugiaro) e fez o favor de, nessa acção de charme, na Suíça, em Schauffausen, me apresentar ao SGTZ.

Eu era uma miúda, e era também (e sou ainda, provavelmente) a pessoa que mais sabia sobre a Daewoo Motors em Portugal. Quando comecei a escrever no pasquim, agarrei-me às falências da Daewoo e da Bridgestone com unhas e dentes. Com a Daewoo apercebi-me do poder dos media. Escrevi uma breve, 500 caracteres, "picada" de um telex (ainda havia telexes e eram lindos, em papel azul e outros em papel cor-de-rosa) da Reuters, cujo título era Daewoo abre falência. No dia seguinte, a Daewoo Portugal tinha não sei quantos cancelamentos de encomendas de Matiz - o best seller do construtor coreano - e a Daewoo Heavy Industries - que vende retro-escavadoras - também ficou de cabelos em pé, com os seus clientes a telefonarem em massa a desistirem de compras e a questionarem o futuro da manutenção das máquinas em Portugal.
Enfim... As coisas que a minha memória retém (outras, bem mais importantes, apaga sem dó nem piedade).
Eu era uma miúda e ele ainda mais (é um bébé, tem menos dois anos que eu, que ainda sou uma bébé também). E não fazíamos parte do máfia dos jornalistas de carros; fomos imediatamente excluídos. Ainda bem. Foi um dia excelente. Percorremos os campos verdejantes da Suíça, passámos a fronteira alemã, e este senhor foi para um test drive no estrangeiro sem carta de condução, o que roça o inconsciente.
Tenho a noção que contámos as nossas vidas todas um ao outro. Fizemos uma grande parelha condutor/ co-piloto, mas ele achou que eu era uma betinha, confessou-mo há coisa de duas semanas (diz ele que eu falei de malas Louis Vuitton; não me lembro nada disso; lembro-me de me tirares uma foto naquela cascata monstra, lembro-me do castelo, do almoço delicioso, lembro-me do que tinha vestido, da tua cicatriz na testa (é na testa, não é?), que tinhas estudado história, que o teu pai era jornalista, mas não me lembro nada das Vuittons). Curiosamente não falámos de música (que pena...)
Hoje, sei que ele me achou gira (o messenger tem destas coisas; fala-se com um à vontade bestial destas coisas). Eu também o achei muito giro. Chegámos a Lisboa, trocámos telefones e mails, mas nunca mais falámos.
O senhor das "minhas músicas" bateu à minha janela no dia do E-learning. Era tarde já e ele não devia ter ninguém online para falar, decidiu ver como estava a "betinha" que tinha conhecido há três anos. Apanhou-me no preciso momento em que a Qui Qui me introduzia na fina arte da gafanhotisse, via web cam. E ajudou à festa, dando sugestões, rindo à gargalhada com o meu talento natural para a coisa...
No dia seguinte, voltámos a gafanhotar até às tantas, e essa foi mesmo memorável, fica na história: começámos ao mesmo tempo, com a mesma música. Eu em Santa Marta, ele em Benfica. E passámos a noite a mandar mp3 um ao outro, a ouvir música muito distinta, de várias gerações, a falar de Ravi Shankar, a constatar que gostamos do mesmo, que somos uns tolos que adoram música e não sabem tocar nada, e apercebemo-nos nessa noite que perdemos três anos de uma amizade deliciosa, baseada em notas musicais.
Eu oiço música nos posts deste blog. E as palavras não costumam dar música, mas sim, imagens. Ele diz que não sabe tocar nenhum instrumento, mas é mentira - toca o teclado do computador. E este blog fica no ouvido.
Oiçam com os vossos próprios olhos.

2 comentários:

SGTZ disse...

Obrigado

Dia disse...

Já censurei e obrigada eu, sargento.