terça-feira, janeiro 24, 2006

Algo se passa. Tenho o pai de todos escavacado.

Algo se passa.
E não são as mil visitas que hoje pisaram os amores perfeitos das bordaduras dos jardins deste quintal - eu não disse que era o fim do mundo como o conhecíamos? Tinha acabado de chegar do Tóquio, de ler uma mensagem embriagada de um dos meus bloggers favoritos (um anónimo que vê a realidade ao lusco-fusco), não sei o que me deu para abrir esse mail às quatro e meia da manhã.

[esse mesmo, esse endereço de email que está aí do lado direito e que ninguém, salvo excepções honrosas, utiliza, nem sequer para me insultar, e se eu não tivesse criado essa caixa de email, se não a abrisse para não cheirar a mofo, às vezes é às quatro da manhã, outras, logo pela manhã cedinho, quando abro as pestanas e me preparo para mais um dia de trabalho, se não fosse por esta caixinha, não conheceria a minha esquizofrénica, que me bateu à porta do gmail empantanas a medo, dizendo que não pretendia corresponder-se, que não me sentisse obrigada a começar um caso de amizade cibernética, queria apenas dizer que me lia, pedir-me que não parasse nunca, mas eu não lhe dei hipótese, eu nunca dou hipótese, não te queres corresponder o tanas, eu conheci a minha amiga, a minha baby sitter Cinderela, que me levou ao cinema depois de eu não ter ido ao quarto escuro mais de dois anos, isso foi o nosso primeiro date, eu conheci-a na caixa dos comentários de um prestigiado blogue, ela dizia que lhe estavam a acontecer filmes de série Z e eu disse, não sei porque o escrevi, mas agradeço várias vezes ao dia ao anjo que comandou a mão, "estou solidária", e estava mesmo, filmes de série Z era comigo nessa semana, aliás, é todas as semanas, se formos a ver bem, mas tudo começou ali, dentro de uma jaula do canil, rebentámos uma vez com o cubículo, depositámos duas dezenas de comentários sem pedir licença e depois ganhámos fama de delicodoces, estou-me bem marimbando para a fama, agora quero é o proveito, mas esta noite não a tenho a fazer-me companhia no escuro da net e faz-me muita falta]

Foi um pressentimento talvez, eu vejo sinais em toda a parte, eu estou sempre muito atenta, sei que a câmara acende as luzes da minha cidade às 17h30 em ponto, eu presto atenção a coisas que ninguém presta, sei quem são os meus anónimos apenas pela escrita, sem lhes catar o IP no Statcounter, pior, cato os anónimos dos outros também, por acaso, sem querer, tenho ciúmes dos meus anónimos noutras paragens, e isto acontece apenas porque vejo demais e isso às vezes cega-me, eu sou uma mulher ciumenta, eu devia passar menos tempo nos blogues, eles às vezes fazem-nos mal, e estou farta de dizer que estou a enlouquecer, e hoje o meu editor disse que é bem capaz de ser verdade, mas disse, também, que me assenta muito bem, que se alguém tem que ser louco que seja eu, mas, eu abri um email, para o qual ninguém escreve, às quatro e meia da manhã e isso é perfeitamente normal para uma pessoa louca, e tenho saudades do Tiago, do Pif Paf, mandava uns emails deliciosos e parou, mas a verdade é que gosto muito de escrever a este meu outro anónimo, respondi-lhe qualquer coisa sem nexo e a Catarina ligou-me há pouquinho porque se comoveu com a forma carinhosa como trato os meus anónimos.
E não nos vemos faz uma eternidade, o mealheiro-busto do Mao Tse Tung que comprei para lhe dar no Natal ainda cá está, tenho saudades dela, hoje dei de caras com um tipo que tive na cama dela, na querida Rua da Rosa, uma casa tão velha como a minha, com paredes tão tortas como as minhas, tão linda como a minha, com a casa-de-banho ainda mais enfiada na cozinha do que a minha, e isso foi no tempo em que os animais falavam e escreviam milhares de caracteres sobre a nova legislação do trabalho, noites em que quase morríamos carbonizados na sala, por causa de uma mala de cartão que se queria imolar pelo fogo utilizando as velas que nos esquecemos de apagar a jogar ao "E se eu fosse?", a mala de cartão estava sempre à porta, para a Catarina se lembrar que estava naquela casa de empréstimo, essas noites eu não esqueço, mas esqueci este rapaz, de olhos azuis, mas a Catarina ligou para dizer que me lê, que me segue por aqui, e a primeira coisa que diz é este amor pelos meus anónimos, diz que eu sou muito "querida", que, na caixa dos comentários, sou outra pessoa, não sou aquela que não usa pontos finais e forra o blogue a papel de parede com padrão de vírgulas.

Mas algo se passa. E quando escrevi o refrão da musiquinha dos REM que dancei aos pulos com a esquizofrénica adolescente e com o meu Jão, junto às putas do Cais do Sodré, It's the end of the world as we know it, não imaginava isto: chegar ao jornal de referência onde escrevo notícias e passarem outros redactores, de outros pisos, a perguntar: Qual é o teu blogue, Ralha?
E o inominável a sair em minha defesa, a proteger-me como tem feito sempre desde que descobriu a tralha, divulgando-a pela elite da blogosfera, mas impondo votos de silêncio, palavra passe renovável ao fim do dia, e eu gostava mais assim, quando éramos poucos, agora tenho que me habituar, e ele a dizer qualquer coisa do género "hás-de ter muita merda a ver com isso", mas, neste momento, toda a gente sabe que tive um homem na minha cama, até se fazem apostas de quem é ele, e não, não é o que escreve bem (este fala bem, fala com uma voz ainda mais bonita do que a do Manuel Alegre, se querem que vos diga).
Algo se passa desde Domingo, desde o post "Deixa aproveitar" - que ninguém comentou e ele está de rastos. Já lhe expliquei que o problema não é ele, é um bom post, que fala de uma demanda inglória em busca de um amor literário, é precisamente o que ando à procura, cada vez escrevo melhor, cada vez defino mais o meu estilo e, por isso, topo à distância Claras Pinto Correia, cada vez mais olhos pairam por estas bandas, e é isso que eu procuro, mais do que jogar às escondidas com invólucros de preservativos e peças de roupa interior (falta-me encontrar ainda um soutien; a casa, para além de demónios que vêm tomar a ceia e trocar dez dedos de conversa - quantos mais dedos houvesse, mais obedeceriam cegamente aos demónios -, tem também bichos papões que se alimentam de peúgas desemparelhadas e isqueiros psicadélicos comprados no Lidl de Xabregas), mas, também já lhe disse para não lançar foguetes, mostrei ao homem da minha cama o meu quintal, ele mostrou-me o dele, cheio de ervas daninhas, prometeu ganhar calos a cavar com a enchada e que depois mo mostrava arranjadinho, mas duvido que tenha cá voltado, ele estava cá para aproveitar a ressaca eleitoral, não estava cá para bajular o meu ego literário.
Mas algo se passa. Comecei a escavacar o dedo pai de todos da mão direita nessa tarde. E eu só ponho o pai de todos na boca quando algo se passa.

4 comentários:

pinky disse...

hummmm será que nasceu por aí um sentimento qualquer começado por A?
isso pode-nos baralhar o sistema todo, olé se pode!

Mary Mary disse...

Só espero que seja apenas um pressentimento e nada mais... É mesmo isso que desejo...

Dia disse...

Deus queira que não seja essa coisa começada por A. Vá de retro...

Anónimo disse...

E porque não?? Nem tudo dá para o torto.