sexta-feira, janeiro 13, 2006

Mas estou cansada. Sim.

Sempre que acordo, a vizinha do prédio em frente, o prédio gémeo do que me escolheu como inquilina – é gémeo idêntico, diria que é siamês, está separado apenas por uma rua estreitinha – e o do outro lado da rua, onde vivem dezenas de imigrantes de leste numa mansarda que tem o tecto negro de bolor, a vizinha está sempre à janela a comer maçãs, dizem que as maçãs fazem bem aos dentes, que os lavam, e eu tenho que voltar a usar o aparelho à noite, a mandíbula inferior já está ligeiramente desalinhada, se calhar tenho que comer maçãs, quero bravo de esmolfe, ou aquelas outras verdes fluorescentes, muito ácidas. Eu acordo com o telefonema da Magui, durmo mais cinco minutos, tempo suficiente para sonhar um sonho inteiro com ficha técnica, abro os olhos ao primeiro “pi” do telemóvel, desligo-o, lanço os dois edredons para os pés da cama, sento-me, olho para a direita e lá está ela, sempre, entre um mar de calças de ganga, estendidos numa corda de nylon azul, já lhe aceno com os olhos inchados e de pernas ao léu, ela deve especular porque é que não tenho cortinas, e eu queria umas de crochet com passarinhos, ou com rosas, mas as artroses da Magui já não fazem milagres no mundo dos lavores, e a minha mãe loira de olhos azuis acinzentados nunca teve paciência de me ensinar, porque eu não aprendo rápido, eu não escrevo rápido, e eu até queria cortinas, não por pudor de a vizinha me ver as pernas, apenas porque não gosto das caixilharias de alumínio, e do outro lado da rua, as janelas são de madeira, pintadas de verde floresta, e eu invejo aquelas janelas, amaldiçoo o condomínio do meu prédio que não arranjou as escadas, mas que substituiu madeira pintada de verde por alumínio prateado, e a vizinha tem um filho, que tem uma mota de corrida cheia de autocolantes lá em baixo, e esse filho é baixinho e gordinho e as bochechas são rosadas como se tivesse bebido um copito a mais, esse filho é a cara chapada da vizinha e já me apanhou de cuecas e soutien encarnado – no primeiro dia da menstruação visto lingerie encarnada, hoje veio o período de surpresa, acho que anda a vir de 15 em 15 dias, mas não sei bem, deixei de tomar a pílula há mais de três anos e desde então é um totoloto, mas não tenho cuecas encarnadas, vá lá, estou vestida de demónio, até pensei comprar na lojas dos trezentos e quarenta escudos e oitenta e um cêntimos uma bandolete com corninhos de diaba, uma para mim e outra para a menina dos sapatos lilases, mas a vizinha tem outro filho, alto e espadaúdo, que rega os vasos das plantas que estão na janela e eu não posso jurar, mas acho que ele tem um vaso de cannabis ao sol, e ele é um homem lindo, deve sair ao pai, e já me apanhou de pernas ao léu a regar a buganvília e o jasmineiro e a cantar “Esquecida, a cada dia que passa”, e ele põe o canário amarelo sol à janela para ele cantar e eu a cantar do outro lado da rua, e ele a sorrir de esguelha e eu a pensar que, se calhar, plantou a cannabis com as sementes do bicho, as sementes dos canários são de cânhamo, por isso é que eles cantam desenfreadamente, com a moca, e eu não posso jurar, mas duvido da sua orientação sexual.
E a vizinha deve achar tudo muito estranho, a do lado sabe que às vezes vêm uns homens fora de horas até à Martinha – e vêm é só com um é, porque vêem é de ver porque tem dois olhinhos, diz-me a menina malmequer, minha copydesk de serviço –, porque esporadicamente, muito esporadicamente, vou à janela dar-lhes o mapa do tesouro pelo telemóvel e eu falo alto, a minha avó Zá estava sempre preocupada porque eu falo muito alto, devo ouvir mal, ela preocupava-se muito com a minha aparente surdez e com os meus joelhos tortos, qualquer dia, vó, com duas décadas de atraso, vou ao otorrino, e se calhar, depois vou à casa Sonotone, e quando os homens chegam às traseiras do Palácio Sottomayor eu aceno da minha janela que não está muito florida, que está mesmo desoladora, diria eu, ando descuidada, apenas as rego e toda a gente sabe que não basta regar, é preciso falar com as flores, dizer-lhes bom dia e tchau e um beijinho, e a vizinha do lado sabe que eu não tenho votos de castidade por causa dessas visitas. Mas a vizinha da frente vê-me sempre a acordar sozinha de pernas ao léu.
“Não mando uma há séculos”. Eu digo isto ao inominável, na varanda onde os fumadores desta redacção apanham pneumonias, e ele fica verde da cor da fachada que está cheia de rachas, calham-me sempre na rifa gajos de esquerda pudicos (e pudicos não leva acento no u, e caracteres – e já vou nos 4229 – devia levar, mas eu não me conformo com isso e, portanto, escrevo caracteres em vez de carácteres). E eu escrevo em resposta a um email perturbador de um outro inominável, que é tão narciso, tão narciso que põe como subject do email – uma bela surpresa, o email –, o seu próprio nome, eu digo-lhe, por favor, não me habitues bem, que eu ainda me apaixono por ti, mas depois do aviso, confesso: também só fodo quando me apaixono. E não fodo há muito tempo. Com este último, sobre o qual tanto escrevo, não estava certa que o amava, amava sim, a ideia de um amor por correspondência, de o ter atraído até mim, do nada, apenas por causa do blogue e, por isso, no fuck, (…) e deixa-me ressalvar uma coisa, já estou a falar demais, mas que se dane, perdido por cem, perdido por mil, eu geralmente não me gabo do meu conservadorismo sexual, mas eu ando puta da vida, porque tenho uma fama de fodilhona, que vou para a cama com este e com aquele e, se calhar devia, da última vez que o fiz acabei com uma loira linda nos braços, mas eu continuo a achar que não há nada pior do que uma gaja mal fodida, enfim, e eu prefiro não ser fodida de todo.Mas estou cansada, sim.

3 comentários:

Anónimo disse...

Oi linda.
Não te preocupes com a fama preocupa-te antes com o proveito. Se calhar o que faz falar essa gente é a inveja. Mais vale uma boa foda de vez em quando bem dada do que várias a "correr". A correr andam elas feitas tontas e vai-se a ver é só garganta.
Além disso, fodes quando quiseres e com quem quiseres e ninguém tem nada a ver com isso.

(Ah| Obrigado pelo teu acolhimento)

Beijão
Anabela do Castelo

Anónimo disse...

ÉS INCRIVEL.
QUANDO PENSO Q NADA DO Q DIGAS OU FAÇAS ME VAI SURPRENDER ESCREVES UM POST DESTES.
FENOMENAL.

PS. AINDA BEM Q O GURDEI PARA HOJE DEIXOU-ME BEM DISOSTO LOGO DE MANHÃ. E FAÇO MINHAS AS PALAVRAS DA ANABELA NÃO TE PREOCUPES COM A FAMA MAS SIM COM O PROVEITO

MPR disse...

Isto das fodas pá... cada um é como cada qual... mas dar só por dar... sinceramente acho que mais vale estar quieto... porque se é só para descarregar, tens outras hipoteses...