domingo, janeiro 15, 2006

O vestido e as fadas

Neste meu mundo de quartos andares sem elevador, de amores impressos com tinta permanente nas paredes do hall, de amigos improváveis nas esquinas da blogofera, há magos, feiticeiras, fadas e gnomos, há um Deus que usa blusão de cabedal e tem barba de três dias, tem tatuagens nos braços, tribais, do Tahiti (as sandálias, a túnica e barbas brancas, essas ficam num lugar onde raramente passo: o estereótipo). Há encontros de almas gémeas à 33.333ª visita deste blogue (também auguro bons ventos de mudança em relação ao visitante número 31.131 - não sei quem foi, hoje estive o dia inteiro a dormir, não xutei estatísticas na veia), a verdade é que eu vejo sinais em toda a parte: no estacionamento em frente à porta de casa pelo 8º dia consecutivo - moro no Marquês de Pombal e posso-me gabar disto, um lugar fora dos domínios macabros da EMEL, que o demónio em vias de ser anjo do estacionamento reserva só para mim, faça chuva ou faça sol, seja noite, ou seja dia -, e se apenas uma das três grafonolas de um blogue de referência teima em abrir, eu acho que isso também quer dizer qualquer coisa. Mas geralmente, não quer dizer nada. E eu sofro.
Este é o post do vestido, aquele que os gajos dificilmente entenderão, decerto nunca tiveram um frenesim quase orgásmico por encontrarem uma peça de roupa a preço de pechincha, nem tão pouco ficam felizes da vida, a rebentar de alegria é mais adequado, quando o pedaço de tecido parece que foi cortado e cosido à medida do seu corpo.
Eu sonhava com aquele vestido e nunca o tinha visto. Houve magia naquele provador. A Magui que nem é gaja nestas coisas, até disse, sentada no seu banquinho, de bengala, com calças de ganga tingidas de pingos de lixívia de ter estado a lavar o chão, com pouca pachorra para aturar a minha fúria consumista, mas deixando o seu cartão de crédito Mastercard à minha disposição: "É lindo!".
Corte perfeito, crepe de seda, decote até ao umbigo, cor beringela. O vestido foi feito para o meu corpo e isso quase nunca acontece. Mamas 34 (às vezes são 32, eu só estou a ser simpática comigo própria e sempre que escrevo estes números que me fazem desmamada, vem-me à memória um soutien de aleitamento tamanho 40 e sim, é mais forte que eu, suspiro), anca 42, é o cabo dos trabalhos, é uma tarefa titânica e que me dá cabo do ego, encontrar uma vestimenta dentro da qual não pareça uma baiana.
Nessa tarde de sábado, há uma semana, no dia do jantar da (T)ralha, as fadas costureiras daquela loja do centro comercial Vasco da Gama, labutaram sem parar a noite toda. E, à minha espera, estavam três vestidos maravilhosos: um verde (nunca tive um vestido verde, mas agrada-me, porque o meu marido literário tem uma personagem do seu livro que tem uma saia verde), um castanho e o tal, o beringela, o tal que até a minha mãe que não liga aos trapos que usa, disse: "ficas com o mundo aos teus pés com esse vestido".
E sempre que estou num provador e o trapo assenta bem, eu prevejo o futuro das vestimentas: "Aqui vou ser feliz", disse, plagiando o anúncio do banco que se chamava BCP e agora, porque é moderno, e não tinha mais do que fazer a uns bons milhares de euros, se chama Millennium (com dois éles e dois énes) e é cor-de-rosa fuchsia. E eu vaticinei noites quentes para aquele vestido, logo que o vi refectido nos três espelhos do provador.
Paguei, levei o saco para casa e quando vou a pendurar o ex-libris no closet, o drama, o horror: um pequeno defeito, um buraquito debaixo da mamoca direita. Enfia outra vez no saco, reza ter um bocadinho de tempo entre o Garcia Pereira para o ir trocar, lá para os lados do Parque das Nações.
Mas não houve tempo. Esteve no saco, no porta-bagagens do Idea durante sete dias. Passeou de um lado para o outro, o belo vestido defeituoso.
Sem grande esperança, rumei à loja no sábado seguinte. Expus o defeito, aceitaram de imediato a troca e a menina de cabelos volumosos disse-me: "Está com sorte, ainda há um". Mas não havia. Tinham acabado de o levar. "Vá ao provador ver se alguém o rejeitou" (como é que alguém o poderia rejeitar? Era perfeito!), nada, desolada, escolho outro, menos bonito, com mais tecido a sobrar nas mamas, levo também um par de sapatos que não gostava especialmente e quando chega a minha vez na caixa, quase vinte minutos de espera depois, a bufar, a poderar se ficava ou não com o vestido defeituoso, e a Magui a dizer que era caro demais para ter defeito, e quando estou neste dilema e aceito o inevitável, tenho que trocar o vestido beringela pelo preto e pelos sapatos que não são assim tão giros, a menina da outra caixa, que estava de costas para mim, tira um pedaço de tecido de seda beringela de um saco e deposita-o num monte de roupa rejeitada a menos de dez centímetros da minha mão que segurava o cartão de crédito da minha mãe, e eu: parem as rotativas já, mostre-me aquele vestido, veja se tem algum defeito, que tamanho é? Era a réplica do meu vestido. Sem defeito algum. Que aparecera sabe-se lá de onde, no último momento, para me fazer feliz.
Este vestido tem poderes, como as folhas da Ambar de cem gramas por metro quadrado. E quando eu o estrear, decerto, qualquer coisa extraordinária irá acontecer.
Se nada acontecer, tant pirre, como diriam as personagens dos filmes do Jeunet.

7 comentários:

Deus Existe disse...

Muito gostava eu de ver esse vestido e o decote!
Eu ás vezes também procuro roupa que me faça parecer um principe do castelo de S. Jorge!

MPR disse...

Do Jeunet? Menos a Sigourney Weaver, mas isso são outros futebois...
Vestidos, filmes, lugares num restaurante que tem AQUELE prato e só aquele que apetece, ou como eu em puto uma cassete de um artista arrogante e imbecil, mas eu era puto, tinha para aí oito anos e não tinha noção - o que interessa é teres encontrado aquela coisa... aquela única coisa que naquele momento fazia falta...
Inda bem...

Mary Mary disse...

Ah GANDA SORTE!! Mas contigo só podem acontecer coisas destas. Seja destino, seja sorte ou outro nome qualquer só pode mesmo acontecer contigo...

Com esse vestido vais ficar El Matadora... Hihihihihihih!!! :P

Anónimo disse...

dia,

és hilária, e estás a tornar te uma referência. identifico me em mts das coisas que dizes. Incongruências de mulheres, com filhos à mistura e uma vida mt mt atrapalhada mas muito divertida no meio de todo o caos.

[ t ] disse...

eu quero ver esse vestido... invejaaa (é uma coisa muito feia éé!) risos sabe bem quando o nosso vestido vem até nós.. humhum muito bem ;)

Dia disse...

Mas é muita oferta para ver o vestido. Aceitam-se inscrições. CV detalhado para o mail empantanas. Sigilo absoluto lol
Lá para a madrugada haverá posta. Melhor que esta, que era uma posta light, ao estilo Margarida não sei quê que não me lembro do apelido da senhora só me vem a Sousa Uva (eu não me esqueci de ti, a esse propósito, Marta, espero ter alguma novidade amanhã)

pinky disse...

se o vestido beringela tiver os mesmos poderes que os sapatos vermelhos do feiticeiro de oz, estás safa! ;)