sexta-feira, janeiro 20, 2006

LSD. Outra vez.

A história interminável.
Outra vez. Foi sem convicção.
A história interminável ou a história da banda sonora do meu casório?
Mau... É a isso que chamas convicção?

Vou casar com rugas, com uma cicatriz enorme no ventre, com um anjo loiro de cabelo encaracolado atrás e franja perfeitamente lisa a levar as alianças, é certo, mas vou casar com um noivo incógnito, cujo paradeiro ainda se desconhece - se eu for como o avô Oliveira, o meu noivo acabou de nascer há muito pouco tempo, ainda diz pouca coisa, ainda tem rabo de fraldas, só o vou conhecer aos 50, com a menopausa enterrada junto com os afrontamentos, e ele terá acabado de fazer os 25, ainda a disfunção eréctil será apenas uma miragem -, e eu quero casar, eu até já fui ao Expo Noivos da FIL, arrastei o Pedro e o Leonardo, gostei do vestido mais caro, era da Dior, e na banca da dona Lena, no Pingo Doce da Conde Sabugosa, peço-lhe sempre para espreitar as revistas das noivas, papo tudo, hoje em dia, porém, evito ver montras das lojas da especialidade, é uma espécie de dor, o encalhamento, o apenas não ficar para tia porque tenho uma filha, depois vem a imagem da durona self made woman e fico menos nostálgica, quase que tenho orgulho da mulher que sou, a mulher criada pela mulher de pedra que é a magui, fico vaidosa do que conquistei em tão pouco tempo, 27 anos, mas tenho medo de continuar a viver depressa demais, geralmente não é bom sinal, é sinal que se morre antes do tempo, e outro dia, saiu aqui na tralha, três ou quatro posts abaixo, que estou adiantada para o meu destino, pois bem, concordo, bem observado, eu nunca quis, nunca gostei de me analisar, mas aqui simplesmente sai, não comando a mão, sou desbocada por natureza, e sai tudo. Sai tudo e a tendinite faz doer. Sai tudo, quase tudo, sai 70 por cento da alma e ela pasma-se com delicadeza com que expulso demónios - digo-lhes: Demónios, não querem mais nada? Um whiskyzinho? Um táxi para casa? E eles fumam sempre mais um cigarro, tomam sempre mais um Famous Grouse, mas acabam por aceitar a boleia, a Isilda da Retalis, que sabe o meu número de dez dígitos do crédito do pasquim de cor e salteado, sabe o meu e o do Dave também, manda sempre, para os demónios, que são demónios de categoria, um Mercedes com ar condicionado, estofos em pele e tabelier de nogueira, perfumado de baunilha, é o táxi 665+1 (quem leu o post sabe que eu não gosto de escrever o número da besta), e os Demónios foram educados em Oxford, sabem que não têm como dizer não, e entram no carro, dizem, em uníssono, todos sentadinhos lá atrás, a um motorista de enormes bigodes: é para a tralha, se faz favor. Chegam aqui, abrem a gabardina, e por baixo não têm nada, estão em pelota, e aqui sai tudo, sai quase tudo, e, por isso, à noite, eu durmo melhor, ainda assim, apesar do sono andar perdido pelas ruas da minha cidade, durmo melhor, ainda assim, acordo cansada, tão cansada, mas durmo melhor.
Mas quando eu me casar, já não vai ser a mesma coisa e, por isso, vou escrever sobre a história interminável. Está há muito prometida, está há muito na minha cabeça, aqui ao pé dos olhos, porque a vejo bem. Muito bem. Depois da amnésia, recordo-a como nunca. Sei os cheiros de cor, vejo tudo, os ganchos rosa do Hello Kitty das minhas tranças, sinto a mão da avó Tóia a segurar a minha com força, mãos ásperas, enormes, lembro-me de um stand que vendia alcatifas e móveis, uma barraca com artesanato de barro preto, panelas de três pernas de barro preto, sei, tenho a certeza, que havia outra baiúca onde se vendia pratos de barro naifs (não sei do trema, naif leva trema) com motivos campestres, e encontrámos uns amigos dos avós, lembro-me dos foguetes e das canas, do algodão doce, e da roda gigante, vejo tudo como se não tivesse sido há vinte anos.
Vou escrever sobre a história interminável, mas, como ela não tem fim, não sei onde hei-de parar.
Volta atrás com a palavra. Fica uma hora e meia no Altavista à procura de um ficheiro decente, apresentável, da Ária das Variações Goldberg, do JS Bach. Encontra-se. A versão original, para hapsicórdio.
Volta atrás, rebobina. Diz o dito pelo desdito.
A história interminável tem que sair bem, não sei se me entendem. Tem a Feira de São Mateus e o avô Oliveira de chapéu, de colete, tem os cinemas Alfa na Avenida Gago Coutinho, ou talvez seja o Nimas, não, o Nimas foi noutra ocasião, tem sonhos, tens pesadelos, tem cavalos que morrem do pântano dos medos, tem criaturas que se parecem com o meu primeiro gato, o Grieg, tem a Magui num quarto azul da Prússia, com posters nas paredes, comprados na Livraria Sinfonia da Avenida de Roma, tem-me a mim, muito pequenina numa cama de grades encarnada a tirar macacos do nariz e a espetá-los na parede azul, tem lençóis azuis escuros com flores berrantes, na cama do Leonardo, tem lençóis azuis turquesa com carrinhos na minha cama de bebé, tem medo do escuro, tem um candeeiro laranja camuflado com pó, tem, muitos anos mais tarde, conversas de messenger com o meu marido literário sobre a primeira vez que escreveu numa folha de papel, por fim, tem o blog do da..
Este tem que sair bem. Os textos andam perros, falta-lhes o óleo lubrificante dos dias mágicos. Falta-lhes o barroco, a folha de ouro, falta-lhes a arte da filigrana, voltas e voltas e mais voltas, que giram e giram, voltam a girar, que, no fim, dão que falar, voltas que são pesadas e são leves como os corações de Viana.
Um dia vou casar. Não pode ser de outra forma. Com rugas, com cabelos brancos, com filhos, com muitos, ou só com esta de olhos azuis, que dorme na assoalhada que fica do meu lado esquerdo, o do peito, com os meus filhos, talvez com os dele. Vou entrar na sala (eu queria uma igreja, mas não faz sentido, não sou católica), e o pianista vai tocar a ária, se eu continuar a viver no limiar da pobreza, se o noivo não for milionário, porque eu já sei que a Magui é anti-casamento, não me vai dar um tostãozinho, assim como assim, será para divorciar, se eu for uma tesa, o Hugo carrega no play da aparelhagem e o CD tocará, o Leonardo vai levar-me ao desgraçado que aceitar aturar-me por uns tempos e eu vejo sempre o avô Ralha lá à frente, mas não sei se ele ainda cá andará - e eu tenho pena, avô, de não o ver tantas vezes quantas eu desejaria, já lhe dei uma bisneta, sei que no fundo, também lê os meus artigos, sei também que lê com mais atenção os do Leonardo, foi sempre assim, não faz mal, eu sei que deve ter ficado feliz quando andei atrás do Carmona, deve pensar que agora ando no mau caminho outra vez, por estar a seguir o Garcia, e quando o avô morrer, eu vou chorar, eu vou chorar porque descobri mais sobre si numa entrevista da revista da Ordem dos Farmacêuticos, do que em 27 anos de idade -, imagino poucos amigos, a Magui feliz sem querer mostrar, os meus tios com os olhos brilhantes, a Mónica, minha madrinha, deslumbrante, já com o anel no dedo, o anel de noivado, não stresses, Mac, a thê e a malmequer como damas de honor com flores de laranjeira nos cabelos (ahahahahahhaha, sou mesmo tola), eu vejo assim o meu casamento, e quando o senhor do notário perguntar: é de sua livre vontade blá, blá, blá?, eu vou repetir o gague da minha tia Atilde, a dos cabelos pretos asa de corvo, a que está com Alzheimer, se é que já não se finou: "Oh sua besta, se não fosse de minha livre vontade, acha que eu estava aqui?". E o noivo vai corar de vergonha, mas vai adorar-me mesmo assim, como eu sou, bruta como um diamante por lapidar.
Eu sonhei assim. Mas a Magui não me devia ter comprado tantas Barbies. Não me devia ter dado a ler os contos da condessa de Ségur.

3 comentários:

Dia disse...

Querido Abdgeas, não há pressa nenhuma. Mesmo. Mas um dia quero casar-me. Só isso.

Deus Existe disse...

Isto faz sentido.

MPR disse...

E um dia vais casar, no dia em que deixares de procurar o casamento...