domingo, novembro 06, 2005

Sonhos, anjos e segundas-feiras

Regresso ao dashboard, depois de gozar quase dois dias de baixa psiquiátrica (e no café, hoje de manhã, enterro os olhos no prato onde repousam as migalhas de um queque caseiro que foi esfarelado pelo diabrete loiro e e a minha mãe, Diana, o que se passa? J'ai mal au coeur, assim, em francês, é fino falar em francês, num boteco dentro de um centro comercial moribundo da Avenida da Igreja; e depois do almoço, sentada com o gato cinzento peludo e inesperadamente pesado, na cadeira de plástico verde, milhares de bibelots com motivos felinos à minha direita, na "sala dos gatos", a sala onde passa a vida da casa bonita da minha mãe, estática, a dar festas ao gato que parece um lince, com orelhas peludas, estática a olhar para a parede cor "areia", e a minha mãe outra vez: não podes estar assim, tens que reagir. Je sais, je sais...).

Negros hábitos

Continua a ser a primeira imagem do dia, quando o telefone toca e é a Magui do outro lado, a acordar-me como um galo urbano e pós-moderno, que, apesar de continuar a levantar-se quando o sol ainda está na preguiça do levanto-me, não me levanto, só sai da capoeira para dar asas à poderosa goela, depois de papar pelo menos meia dúzia de galinhas ensonadas e não é que a minha mãe tenha vida sexual (nenhum pai tem, obviamente), não sei porque surgiu esta imagem, é da autoria dos dedos cheios de artroses (esta semana tenho que ir ao médico, doem-me mesmo muito as mãos e os dedos; acho que o blogger me arranjou uma doença nas articulações), mas eu se tivesse um galo cá em casa, obrigava-o a ser assim: vai lá tratar da tua saúde sexual e faz-me o favor de só cantares depois das nove e meia da matina. Continua a ser o quase inaudível suspiro que se solta sem ser chamado, quando já estou aos pinotes e cambalhotas nos insufláveis gelatinosos, que estão à entrada do portão arte nova enferrujado do reino dos sonhos.

Contar um sonho é proibido, mas a vós digo-vos isto: ninguém aparece nos sonhos de ninguém sem ter uma acreditação, sem estar na lista de convidados. Todas as noites, lá estamos. Juntos. Como antes. E eu sei que apareço nos seus sonhos também. Tenho pacto com o pobre demónio do estacionamento (o demónio do estacionamento, que é um demónio que não faz mal a ninguém, anda a tratar da papelada para ganhar asas e ser anjo, o que está a atrasar o processo é um requerimento que este fez para manter as vestes negras; é morceguito o desgraçado do demónio) e selei um pacto vitalício, com cuspo, com o anjo dos sonhos também.
É um anjo simpático, gorducho, tenho cunha porque sonho acordada, entre breves pestanejares. É meu amigo, este anjo, intercede por mim, tirou o meu nome do programa informático que escolhe os sonhos do mundo inteiro através de um sistema "random"; tenho sonhos customizados desde que o conheci. [o anjo seu amigo, o da música, acaba de me enviar, via internet de banda larga, uma linda do Ben que eu não conhecia; Alone, versão acústica ]. O anjo dos sonhos é um patusco, engraçou comigo, e envia-me um relatório, como o dos sms, sempre que apareço por outras bandas.
O último post do meu blog secreto era sobre o ódio às segundas-feiras (como se já não bastasse os fins-de-semana; anda toda a gente à espera destes dois dias e eu só queria eliminá-los, ao sábado, ao domingo, e se faz favor, se não fôr pedir muito, a segunda também não me faz falta; quero semanas de terça a sexta).
"Dá-me uma segunda com sabor a sexta. Não me magoes esta segunda", escrevi no final de um post semi-alucinado. Não magoou. Entregou-me em mão um convite VIP, pessoal e intransmissível, para o seu cantinho dos sonhos. A segunda veio à quarta, depois de uma multa de 90 euros, a segunda chegou-me à quarta e mais uma vez ele mandou-me passear sem me olhar nos olhos. E agora, todos os dias são fim-de-semana e segunda-feira.
E só me alegro um bocadinho quando o anjo me envia um ser alado a entregar o relatório de um sonho. E hoje, o desgraçado do mensageiro, que vinha desvairado de ansiedade para me dar a boa nova, porque ninguém me suporta ver uma sombra do que sou, vinha tão rápido e concentrado em me aliviar a dor, que se esbarrou outra vez contra a porta de vidro do nosso prédio da EUA, ficando as suas asas impressas em alta definição na superfície vidrada.
E por isso, só por isso, obriguei-me a ligar o Ibook e escrever estas linhas.

3 comentários:

Mary Lamb disse...

Abençoados pombos suicidas!!!

SGTZ disse...

You must let it go...

Anónimo disse...

O Anjo dos Sonhos sendo um bom guardiao de todas as historias que existem e ate as que nao existem, aparece em diversos disfarces. Apareceu-te como anjo a ti, realmente es especial nos seus olhos - a mim disse-me uma vez algo que me ajudou muito -
Things need not have happened to be true.
Tales and dreams are the shadow-truths that will endure when mere facts are dust and ashes,
and forgot.
-Dream