terça-feira, março 28, 2006

No Frontera, a mil à hora

Continuemos no Universo do Amor, porque é o assunto mais nobre. E, também, porque há gente que hoje me veio visitar a esta herdade virtual de perder de vista, escarafunchando no Blogger por essa palavra que todos andam à procura e ninguém acha - seguem pistas bizarras, sinais divinos, analisam mapas roídos pelos peixinhos de prata e lêem, de todos os ângulos, pergaminhos amarelecidos e desbotados pelos tempos; aposta-se alto no mais viciante e perigoso dos jogos, não pensando, tão pouco, no devir; a caça ao Amor é uma espécie de versão moderna da caça ao tesouro, só que não há ouro escondido em baús. O grande prémio, se é que ele existe, não se apalpa, não se mede, não se pesa, é uma palavra que lida ao contrário é a capital da Itália, e eu descobri isto quando, ainda pequenita, entrei na estação de Metro Roma, ia com a Magui ao Martim Moniz comprar caril a uma loja indiana - Hot Madras, dizia ela, e eu achava o nome lindo, parecia-me música, e a senhora de saris coloridos, olhos rebordados a preto e bola encarnada entre as sobrancelhas, adorava as minhas tranças grossas e pretas, e os meus olhos amendoados, e oferecia-me pulseiras e bindis, e dava-me a comer uns aperitivos que sabiam todos ao mesmo, e estranhava a minha mãe loira, e perguntava sempre se eu não era indiana -, e eu estava sentada no banco à espera da carruagem, e a Magui estava a fumar um português suave amarelo quando ainda não havia talibans anti-tabagistas (a Tabaqueira que não se atreva a descontinuar o tabaco de filtro branco com risquinha laranja, que a Magui morre-me de desgosto), e eu perdida nos pensamentos e, de repente: "Roma ao contrário é Amor, mamã". E esta palavra está escondida, está escrita a tinta invisível nas mais recentes edições dos dicionários da língua portuguesa da Porto Editora (pelo menos, no meu exemplar, anda desaparecida, o rato roeu).

[há outros leitores que abriram, nos últimos dias de pousio desta terra fértil literária, o portão que chia e que implora por uma gotinha de óleo, e que vasculharam os meus canteiros primaveris (plantei narcisos e jacintos ao pé do poço, porque eles gostam muito de água, como os agriões), filtrando a escrita por um coador de rede metálica muito fina, com outras palavras, menos mágicas, mas igualmente, perturbadoras, como por exemplo, "francisco" - as tuas fãs andam por aí. A anotar, também, porque eu vejo tudo, à lupa, nada me escapa, porque eu ando muito atenta a tudo por causa desta história do Amor, os tarados que o Google traz até a mim, não pela estrela polar em noites de céu limpo, mas sim, através de palavras-chave tão sinistras como: "lembe-me (nao está mal escrito; é assim mesmo, "lembe-me" e foram dois os leitores que conjugaram o verbo "lember") a piça/ caralho", "urinadas e chuvas de prata", "putas em Ponte de Sor", "pôr primeiro a sombra ou o eye liner", "lojas motoserras", "casas sem tecto", e, há poucos minutos, o primeiro visitante do dia, que pisou a terra molhada com galochas de borracha e me espezinhou os trevos de quatro folhas que enfeitam as fronteiras encantadas do quintal com a seguinte busca sherlockiana: "perdi o paladar" - coitado, digo eu, não há nada pior.]

Eu sei que ele estranha, que se entristece. Porque é que não escrevo sobre ele, sobre nós. Porque é sagrado, justifico-me eu aqui, sem absolvição possível, porque não há explicação, nem aqui eu arranjo uma explicação de jeito, suponho que nada que eu escreva se possa assemelhar à realidade, ao sentir, ao que foi amar com toda a pele, com todos os sentidos afinados ao mesmo tempo.
Mas hoje, guiar o Frontera, o nosso carro, foi difícil. E foi difícil, sim, também, porque o veículo pesa 2,5 toneladas e o conceito de direcção assistida é virtual. Tentem conduzir um tractor com uma tendinite a pulsar na mão direita, a das mudanças, e avaliem a dureza da privação. Foi duro por isso, mas 2,10m de altura por sei lá quantos se comprimento posso eu bem, e andar às voltas à procura de um lugar de estacionamento gigante onde caibam dois utilitários também se arranja, ou não tivesse eu pacto com o demónio em vias de beatificação do estacionamento. Já não posso é olhar pelo retrovisor e lembrar dois grand danois babosos e mal cheirosos de olhos meigos na enorme bagageira; ou para o lugar do pendura e ver-me lá, com o cabelo muito mais curto, a lutar contra o sono, numa viagem ao Alentejo onde passámos uma noite que não esqueço com o Barriga; ou ali sentada, ao volante, magnânime, poderosa, gigante, com todos os carros a deixarem-me passar sem ser preciso, sequer, um pisca; já me custa lembrar a primeira vez que guiei o gigante verde escuro metalizado, 2,8 turbo diesel, e fui buscar a Magui e fomos ao supermercado e as barras do tejadilho rasparam no tecto, e eu a tremer por todo o lado na Segunda Circular no regresso a casa, encostada à faixa da direita.
E, durante todo este dia, a mil à hora, dentro do Frontera, comprado em Torres Vedras (ou Novas?) com 80 mil quilómetros e por quatro mil e já não sei quantos contos, a pensar nisto: que o Turbo já não faz o mesmo barulho de antigamente e que tínhamos tudo para ser felizes.

6 comentários:

Dia disse...

00:52:42, um leitor chega ao (T)ralha pesquisando: "O ar quente desembacia" e antes, às 00:38:55, uma menina vem cá bater a horas impóprias à procura de "combinações de seda". Muito bom e muito apropriado.

Anónimo disse...

muito bom mana, muito bom!

Mary Mary disse...

Lindo, as coisas que as pessoas pesquisam... Ainda por cima afirmações intelegentissimas...

O resto da história é sempre aquela base... Nunca nos desilude! E deixa-nos sempre com sede de mais...

Leão da Lezíria disse...

Pois bem, eu cheguei aqui porque sim. Não cheguei hoje, cheguei ainda o meu joelho estava bom, ainda não tinha mergulhado a 25 metros no Sal.

E nunca comentei, limitei-me a chegar, alimentar-me destes jogos de palavras e a sair sem bater com a porta para não acordar ninguém. Só que, saindo de mansinho, tenho semprte desculpa para não agradecer.

E hoje resolvi que havia de ser de outra maneira, decidi agradecer.

É só isto, quis que soubesse que a li e que apanho diariamente uma boleia sua para estes cenários de aventuras.

Dia disse...

Eu fico muito feliz quando os meus anónimos saem da casca, Leão (e eu também dou uns pulinhos à Lezíria, porque se está lá muito bem)

E não te preocupes em acordar seja quem for. Neste blogue não se dorme até se encontrar o Amor.

Carrie disse...

ó faxavor! Qual é o guichet para reclamações? Eu sei que a sô dona Dia escreve melhor que as meninas da Cidade, mas porque raio, sr. dr. Leão, nunca tivemos nós direito a um comment como este?