No Frontera, a mil à hora
Continuemos no Universo do Amor, porque é o assunto mais nobre. E, também, porque há gente que hoje me veio visitar a esta herdade virtual de perder de vista, escarafunchando no Blogger por essa palavra que todos andam à procura e ninguém acha - seguem pistas bizarras, sinais divinos, analisam mapas roídos pelos peixinhos de prata e lêem, de todos os ângulos, pergaminhos amarelecidos e desbotados pelos tempos; aposta-se alto no mais viciante e perigoso dos jogos, não pensando, tão pouco, no devir; a caça ao Amor é uma espécie de versão moderna da caça ao tesouro, só que não há ouro escondido em baús. O grande prémio, se é que ele existe, não se apalpa, não se mede, não se pesa, é uma palavra que lida ao contrário é a capital da Itália, e eu descobri isto quando, ainda pequenita, entrei na estação de Metro Roma, ia com a Magui ao Martim Moniz comprar caril a uma loja indiana - Hot Madras, dizia ela, e eu achava o nome lindo, parecia-me música, e a senhora de saris coloridos, olhos rebordados a preto e bola encarnada entre as sobrancelhas, adorava as minhas tranças grossas e pretas, e os meus olhos amendoados, e oferecia-me pulseiras e bindis, e dava-me a comer uns aperitivos que sabiam todos ao mesmo, e estranhava a minha mãe loira, e perguntava sempre se eu não era indiana -, e eu estava sentada no banco à espera da carruagem, e a Magui estava a fumar um português suave amarelo quando ainda não havia talibans anti-tabagistas (a Tabaqueira que não se atreva a descontinuar o tabaco de filtro branco com risquinha laranja, que a Magui morre-me de desgosto), e eu perdida nos pensamentos e, de repente: "Roma ao contrário é Amor, mamã". E esta palavra está escondida, está escrita a tinta invisível nas mais recentes edições dos dicionários da língua portuguesa da Porto Editora (pelo menos, no meu exemplar, anda desaparecida, o rato roeu).
[há outros leitores que abriram, nos últimos dias de pousio desta terra fértil literária, o portão que chia e que implora por uma gotinha de óleo, e que vasculharam os meus canteiros primaveris (plantei narcisos e jacintos ao pé do poço, porque eles gostam muito de água, como os agriões), filtrando a escrita por um coador de rede metálica muito fina, com outras palavras, menos mágicas, mas igualmente, perturbadoras, como por exemplo, "francisco" - as tuas fãs andam por aí. A anotar, também, porque eu vejo tudo, à lupa, nada me escapa, porque eu ando muito atenta a tudo por causa desta história do Amor, os tarados que o Google traz até a mim, não pela estrela polar em noites de céu limpo, mas sim, através de palavras-chave tão sinistras como: "lembe-me (nao está mal escrito; é assim mesmo, "lembe-me" e foram dois os leitores que conjugaram o verbo "lember") a piça/ caralho", "urinadas e chuvas de prata", "putas em Ponte de Sor", "pôr primeiro a sombra ou o eye liner", "lojas motoserras", "casas sem tecto", e, há poucos minutos, o primeiro visitante do dia, que pisou a terra molhada com galochas de borracha e me espezinhou os trevos de quatro folhas que enfeitam as fronteiras encantadas do quintal com a seguinte busca sherlockiana: "perdi o paladar" - coitado, digo eu, não há nada pior.]
Eu sei que ele estranha, que se entristece. Porque é que não escrevo sobre ele, sobre nós. Porque é sagrado, justifico-me eu aqui, sem absolvição possível, porque não há explicação, nem aqui eu arranjo uma explicação de jeito, suponho que nada que eu escreva se possa assemelhar à realidade, ao sentir, ao que foi amar com toda a pele, com todos os sentidos afinados ao mesmo tempo.
Mas hoje, guiar o Frontera, o nosso carro, foi difícil. E foi difícil, sim, também, porque o veículo pesa 2,5 toneladas e o conceito de direcção assistida é virtual. Tentem conduzir um tractor com uma tendinite a pulsar na mão direita, a das mudanças, e avaliem a dureza da privação. Foi duro por isso, mas 2,10m de altura por sei lá quantos se comprimento posso eu bem, e andar às voltas à procura de um lugar de estacionamento gigante onde caibam dois utilitários também se arranja, ou não tivesse eu pacto com o demónio em vias de beatificação do estacionamento. Já não posso é olhar pelo retrovisor e lembrar dois grand danois babosos e mal cheirosos de olhos meigos na enorme bagageira; ou para o lugar do pendura e ver-me lá, com o cabelo muito mais curto, a lutar contra o sono, numa viagem ao Alentejo onde passámos uma noite que não esqueço com o Barriga; ou ali sentada, ao volante, magnânime, poderosa, gigante, com todos os carros a deixarem-me passar sem ser preciso, sequer, um pisca; já me custa lembrar a primeira vez que guiei o gigante verde escuro metalizado, 2,8 turbo diesel, e fui buscar a Magui e fomos ao supermercado e as barras do tejadilho rasparam no tecto, e eu a tremer por todo o lado na Segunda Circular no regresso a casa, encostada à faixa da direita.
E, durante todo este dia, a mil à hora, dentro do Frontera, comprado em Torres Vedras (ou Novas?) com 80 mil quilómetros e por quatro mil e já não sei quantos contos, a pensar nisto: que o Turbo já não faz o mesmo barulho de antigamente e que tínhamos tudo para ser felizes.
6 comentários:
00:52:42, um leitor chega ao (T)ralha pesquisando: "O ar quente desembacia" e antes, às 00:38:55, uma menina vem cá bater a horas impóprias à procura de "combinações de seda". Muito bom e muito apropriado.
muito bom mana, muito bom!
Lindo, as coisas que as pessoas pesquisam... Ainda por cima afirmações intelegentissimas...
O resto da história é sempre aquela base... Nunca nos desilude! E deixa-nos sempre com sede de mais...
Pois bem, eu cheguei aqui porque sim. Não cheguei hoje, cheguei ainda o meu joelho estava bom, ainda não tinha mergulhado a 25 metros no Sal.
E nunca comentei, limitei-me a chegar, alimentar-me destes jogos de palavras e a sair sem bater com a porta para não acordar ninguém. Só que, saindo de mansinho, tenho semprte desculpa para não agradecer.
E hoje resolvi que havia de ser de outra maneira, decidi agradecer.
É só isto, quis que soubesse que a li e que apanho diariamente uma boleia sua para estes cenários de aventuras.
Eu fico muito feliz quando os meus anónimos saem da casca, Leão (e eu também dou uns pulinhos à Lezíria, porque se está lá muito bem)
E não te preocupes em acordar seja quem for. Neste blogue não se dorme até se encontrar o Amor.
ó faxavor! Qual é o guichet para reclamações? Eu sei que a sô dona Dia escreve melhor que as meninas da Cidade, mas porque raio, sr. dr. Leão, nunca tivemos nós direito a um comment como este?
Enviar um comentário