Todas as faces do amor
Esta é uma tarde sem música – os “cascos” que me aquecem as orelhas e elevam o meu ser ficaram esquecidos em casa, em cima do segundo DVD da colecção Planeta Agostini do Noddy, e está fora de questão soltar a minha música pelo ar e quebrar o silêncio de repartição de Finanças que ecoa no primeiro piso, de um edifício verde, de uma rua – penso que da única rua de Lisboa – que tem o sentido do trânsito à inglesa.
[ouve-se um batuque de teclados, o tinir dos telefones, embalados por um dueto impressionante de impressora a laser e fotocopiadora dois-em-um; por vezes, cirurgicamente, vem o grande clímax, com a máquina do café a coroar a 1ª sinfonia burocrática para material de escritório].
Hoje não há música, apesar de a Teresa continuar a habituar-me muito bem logo pela manhã, enviando uma playlist de mp3 ilegalíssimos para a minha caixa do Gmail (talvez por isso, a minha conta não tenha o Talk, porque me porto mal e cometo o crime hediondo de pirataria, em parceria com a perigosíssima líder deste gang, a ex-blogger Thê).
Tenho a certeza que as palavras vão andar coxas; é que eu escrevo sempre ao som de música – e esta sinfonia tocada pela orquestra desarmónica do material de escritório não me traz a inspiração necessária para que as palavras se escrevam sozinhas, como que por artes mágicas (e tantas vezes eu releio e penso: não fui eu quem escreveu isto…).
Adiante, que se faz tarde, e se eu não escrevo as audiências baixam, e se as audiências baixam eu fico triste e os meus shareholders perdem dinheiro (nada como ter uma perspectiva economicista deste blogue).
Foi um amor binário. Zeros e uns. Cheguei a trazer na mala um conversor de alfabeto em linguagem binária – um dia, pensei escrever um post só com estes algarismos, sei que ninguém teria paciência para o descodificar, nem ele, e podia dizer tudo o que ficou por dizer. Mas, como em tudo na minha vida, ficou por fazer, perdeu-se no limbo das boas intenções e das ideias geniais (para vossa informação, caros leitores, há muito post deste infindável blogue com mensagem escondidas; há muito código para ser quebrado, porque é que julgam que me demoro tanto tempo a vomitar palavras?)
Era um amor fotográfico. Era um amor que se alimentava pelos olhos, nunca nos provávamos, nunca nos sentíamos, a lente Carl Zeiss da máquina alemã comprada em Chelas, numa manhã de loucura alucinada à base de Sertralina (apenas dessa forma se explica que eu tenha comprado uma Leica digital e que o tenha feito em Chelas, sem qualquer glamour – é quase como comprar uma Vuitton no Martim Moniz), captou todas as faces possíveis de um amor: a ternura, a alegria, a luxúria (tive que lhe perguntar pelo messenger, agora mesmo: “Amor, como se chama o pecado mortal associado ao sexo, que eu não me consigo lembrar?” e ele disse logo “luxúria”, e isto deve querer dizer que eu ainda sou um pouco pura e ele nem tanto), a melancolia e a tristeza profunda.
Imagino álbuns, álbuns e álbuns, de folhas muito duras, rebordadas a prata, como aquele dos teus mortos, Teresa, que tem folhas de ouro, com a capa de madeira, com incrustações de estanho, flores, amores-perfeitos, oxidados pelo tempo, esverdeados pela humidade do sótão que guarda este amor, nada de plástico neste amor,ele foi um amor semelhante a uma força da natureza, uma tempestade, um vulcão, um tornado, foi um amor à moda antiga, por foto, por carta, e imagino as fotos todas enquadradas por passepartouts pintados à mão com querubins de canudos dourados, e todas as provas fechadas a cadeado, e eu, lá dentro, reproduzida milhares de vezes com todas as minhas caras; com o cabelo liso e encaracolado, com e sem olheiras, com a ruga vincada no meio da testa, quando estava triste; com a covinha da bochecha direita quando sorria e me achava invencível.
Este homem, acho, ainda guarda um enorme espólio de JPEG’s. Um dia, poderá fazer uma exposição. De todas as faces do amor.
5 comentários:
Consegui,no meio de tanto telefonema, tenho as orelhas a arder, vir ler-te. Gostei, como sempre. Mas sabes que esse homem não te merece. E não mereces as tuas palavras. Inventa um novo amor. Esse está gasto...
há palavras que não são para nós e nos servem tão bem. foram feitas à nossa medida. gostei do comentário acima.
exbloguerthê (risos)
Vocês as duas são as leitoras mais importantes, pelas quais eu escrevo mesmo quando me doi a mão. Mas ele continua a ser o leitor mais importante. E depois vem o FTA (ahahahahahhahahaha; pode ser que ele não leia os comentários)
PS - Aquele que tanta falta me faz explicou-me porque é que eu não tinha talk no gmail. não tinha nada a ver, commatinal tresloucada da dijei exbloguerthê.
nota de rodapé: os mp3 são todos legalíssimos!... (pode ser que assim me safe)
exboguerthê
Antes o FTA! Um amor de reserva para dias mais negros...
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