terça-feira, março 14, 2006

Santo Expedito [escrito na igreja da rua Garrett]

[Este blogue está a cumprir serviços mínimos. O que não quer dizer que não venha aí um lençol de linho, daqueles de linho rústico, em que a trama é imperfeita, idênticos aos que a minha bisavó Carolina dos Santos tecia na roca, entre 14 gravidezes, das quais nasceram três pares de gémeos, meninos, fio após fio, com os dedos em sangue, entre sete mortes de filhos por doenças várias, mas, sobretudo pela fome -- e tu sabes isto sobre a tua família, sabes que a tua filha tem o nome que tem para honrar esta mulher?]

Santo Expedito, ouve esta prece, eu sei que proteges as causas urgentes, eu sei que tu és um santo guerreiro, e eu não sei que paranóia é esta a minha pelos santos, eu não sou católica, mas esta igreja é a igreja da minha aflição, entrei nela pela primeira vez no primeiro sábado odiado, sentei-me na nona fila, no mesmo lugar onde me estou agora, e eu não decorei, mas sei que ao meu lado esquerdo estava o Santo António, e lá ao fundo, à direita, está a Santa mais bonita, a Teresinha, ao lado do arcanjo Miguel, e nessa tarde, o órgão tocava, tocava músicas que faziam os anjos dançar na abóboda da Igreja que estava enegrecida, os frescos estavam escondidos por infiltrações e hoje eu sento-me, santo Expedito, e o verde e o encarnado do tecto esmagam-me, parece que os frescos foram pintados ontem só para mim, e esta prece é a sério, esta prece é feita de joelhos bem assentes no veludo carmim, de mãos unidas uma contra a outra até doer e a pele ficar branca e dormente, e as pontas dos dedos roxas, sem circulação, e pouco importa que o médico me tenha dito na sexta-feira que tenho um joelho desfeito e o outro para lá a caminhar a passos largos, pouco importa que não devesse subir escadas, que não possa praticar jamais o kama sutra, e eu hoje não vou usar pontos, vou abusar das vírgulas, Expedito, eu estou aflita, eu sei que as seis pessoas que estão aqui comigo, à uma da tarde, a bichanar preces na fila de trás, estão tão ou mais deseperadas que eu, é ninguém deixa de almoçar para rezar se não estiver preso por um cordel de merceeiro, são os tempos que mudam, a fé não se vê, não se compra, não há tempo para ela, e antes de vir aqui eu comprei um par de sapatos para me sentir melhor e não sinto, e três dos meus companheiros de aflição estão de joelhos, tal como eu, mas eles não choram, muito menos escrevem, e o desespero não tem pontos finais, é um crescente, no máximo tem reticências e eu vou usá-las aqui para respirar...
Santo Expedito, perdoa, mas eu não sou abnegada, eu não sou despojada, eu não nasci para o caminho da santidade, não sou pura, e eu não sei porque é que tu, a Teresa, a Marta e o Miguel me protegem. Eu devia desistir, se eu fosse mesmo boa devia desistir, e eu pesava 27 quilos a mais quando olhei para o espelho e disse que ia desistir, que ia ser sublime, magânime, eu pensei nisto e falhei.
Procurei-te um dia destes para iluminares o meu amigo, e eu nem sei se tu estás aqui nesta igreja, acho que não, não me lembro de te ver por aqui, só que esta prece é a mais sentida, eu nunca me ajoelhei para rezar: entrei e vim directamente para a nona fila, e chorei e sei que quem está na fila de trás também rezou por mim.
Eu sei que és o santo dos aflitos, das causas urgentes, peço-te que olhes por mim e pela metade de mim, que me ajudes nas horas difíceis, nas horas em que eu entro nesta igreja sem saber para onde mais posso ir.

[O Santo Expedito estava nas minhas costas, envergando uma enorme cruz e vestindo a sua farda de incansável guerreiro. A acender três velas estava um rapaz, da minha idade, que eu desejei que fosse o meu amigo, que eu não conheço, e que me garantiu que tudo se iria resolver. Logo a seguir, a minha querida amiga esquizofrénica levou-me a almoçar com vista para todo o Tejo. E fez-me a companhia que eu precisava, que eu preciso em noites como estas, em que este computador e quem ele me traz, pela fresta de uma janela mágica, são as paredes mestras do meu ser. Aos três que estão aqui a servir de psicanalistas virtuais - não os vou nomear, eles sabem quem são e são os mesmos há muito tempo, pelo menos parece muito tempo - o meu obrigada]

12 comentários:

Isa disse...

beijo grande pra ti

Dia disse...

E um obrigada à minha leitora mais fiel e entusiasta.

MPR disse...

Olhos abertos em frente a um monitor frio, num gabinete exageradamente quente, como se voassem por mim imagens de uma vida passada, instantâneos de momentos que dificilmente consigo perceber na sua totalidade. E no meio do desalento de nada poder fazer um pingo de inveja da beleza destas imagens insinua-se para depressa se desvanecer. De longe, lanço um beijo no vazio na esperança que possa, por um instante, tocar ao de leve algum destes espectros que pairam aqui ao meu lado...

Anónimo disse...

agarrettecido pelo texto.

Isa disse...

Não tenhas dúvidas Dia. Fidelíssima e hiper entusiasta! + bjs

Dia disse...

Grata, muito grata pelo vosso carinho.

AnadoCastelo disse...

Lindinha, mais um texto de linho com toque de seda.
Um grande beijo para ti e para a tua metade.

Anónimo disse...

Nã sei quem és, sei que a mensagem me tocou.
Andava algures à procura de uma igreja onde estivesse o Santo Expedito e deparei-me com esta mensagem...obrigado pelas palavras tão sentidas.
Continuo a precisar de saber onde se encontra este Santo em Portugal para lhe poder prestar uma homenagem, espero que me possam ajudar.

Ass: Alguém

Dia disse...

A alguém,

O Santo Expedito está na Basílica dos Mártires, no Chiado, em Lisboa.

Espero que o ajude.

Anónimo disse...

FORÇA...E INCRIVEL NADA E POR ACASO!!!bj

Anónimo disse...

Obrigada pelas palavras. É bom sabermos que a fé nos Santos inão é só nossa outros a procuram.
O Santo Expedito é o Santo dos desesperados. Talvez um dia eu deixe de estar desesperada...
Nesse dia erguerei uma capela em honra do Santo Exopedito, um local de oração e consolo para humanos desesperados. Até lá rezo, rezo muito, para que Santo Expedito me atenda e me dê forças para confiar e voltar a rezar, dia, após dia...

Joana disse...

Gostei muito deste texto.Muitos parabens e obrigada.Que consigas sentir sempre essa proteção. E que a consigas continuar a transmitir.um beijinho de agradecimento.