Mau tempo no quintal
Chegou a hora da revolta dos drafts: não há mais rascunhos acumulados neste blogue, amotinaram-se, eu devia ter pensado nisso, era um exército já numeroso, são bons guerrilheiros e por isso é que nunca foram publicados, por isso é que eu os alimentava a pão e a água para ver se ficavam quietinhos onde eu os fechei, são diários de ódio, são meus filhos também, são teus filhos, sobretudo, e eu tenho vergonha por terem nascido assim, clandestinos, amputados, mas descobriram a senha da revolta - três voltas para a direita, uma para a esquerda, outras três para a direita -, têm sangue na guelra, são manhosos, são, também, traiçoeiros e decidiram atacar hoje pelas minhas costas, jogar o tudo por tudo, sem sequer me deixarem vestir a cota de malha - nem digo a armadura, apenas a cota de malha -, não me deixaram engolir qualquer espécie de anestésico.
Cheguei a casa, deitei a Carolina, disse-te que não ia fazer nada ilegal, prometi e eu nunca faço promessas que sei que não posso cumprir - aprendi isso com o Fim da Aventura, do Graham Green e eu dava uma católica fervorosa como ele se a Magui não tivesse trauma das freiras que lhe cortaram as tranças em frente às outras meninas do internato, se não tivessem posto a dormir de castigo noites e noites a fio nos corredores escuros dos conventos do Norte do país onde os meus avós a desterraram; dava sim, seria crente, fé inabalável não me falta, e por falar em fé, onde é que andam os Deuses vingadores do olho-por-olho, dente-por-dente de que o Antigo Testamento tanto fala? É tão antigo que já está com reumático? E é mesmo isso, vou pôr o filme já, a punch line da capa dá-me vontade de chorar, mas nem isso consigo, estou mesmo a precisar de ver uma história de amor bonita (é baseada na triste história verídica do próprio escritor), quero ver a cena do bombardeamento, ao som do piano do Nyman, a Sarah a dizer ao Bendrix, depois de ele ressuscitar por milagre, que o amor não acaba só porque se vão deixar de ver - eu acreditei nisto -, dizia, antes de me perder, sem cansar os pontos finais e abusar das vírgulas (mais uns anos assim e recebo o Nobel da Literatura), fui à casa-de-banho laranja, abri o armário do IKEA que comprei e montei com a ajuda do Mário num instantinho, procurei a caixa dos pensos rápidos, abri-a, tirei meia dúzia dos grandalhões - a ferida é grande e eu sei que até precisava de pontos -, desabotoei os botõezinhos minúsculos da camisa preta e colei vários do lado esquerdo do peito, e pensei forte no meu querido Stucky a dizer-me, já a propósito desta história: "Se se magoar, bota band aid que sara".
É desta que eu emagreço. É ridículo dizê-lo com uma mão cheia de rebuçados bolas de neve da velhinha marca Vieira de Castro em cima do sofá que era laranja e agora passou a ter uma coberta verde alface, mas é desta que eu páro de comer por desgosto.
Mais posts que vão sair de draft:
Carta ao Pai Natal
Natal de 1986 (com oito anos de idade)
Querido Pai Natal,
Como sempre as notas foram boas e eu porto-me sempre bem. Queria muito que o Hugo passasse o Natal em Lisboa, que não fosse para a Guarda, e que o Leonardo me parasse de puxar as tranças. Queria um bloco de folhas queridas, um diário, uma Barbie e umas roupas para ela. Claro, um Ferrari Testarossa e um gato persa azul. Mas eu já sei que estes são difíceis.
Natal de 2005,
Querido Pai Natal (ou qualquer outro senhor de barbas que decidiu ensinar-me uma qualquer lição perversa que já aprendi da pior forma, pergunte à santinha da minha rua se não aprendi)
Como sempre, as notas foram boas (cobri uma campanha eleitoral e deram-me palmadinhas nas costas) e eu porto-me bem de vez em quando - trabalho no melhor jornal do país, estou no quadro há não sei quantos anos, tenho um ordenado que faz três salários mínimos nacionais, casa e carro próprios. Queria que o Hugo passasse o Natal connosco e não fosse para Viseu, e que o jornal do Leonardo não fechasse nunca. Peço-lhe, também, menos dores nas costas da minha mãe e que ela se habitue finalmente a usar a dentadura postiça. Um diário também pode ser, porque vou queimar uma Moleskine formato de repórter onde escrevi um amor, por isso, pode esquecer já as folhas queridas, não estou com paciência para elas - lembram-se das folhas queridas, meninas? os meninos coleccionavam cromos e as meninas folhas queridas... Esqueça o Ipod, é um mero sonho idiota de consumo, não me faz falta alguma, assim como mais roupas ou sapatos. Quero paz, não quero ficar cega de tanto ver, protega os meus olhos de noite e de dia. Arranja-se paz? Eu sei que a lista já vai extensa, mas quero um grande amor também. Um que me dê pelo menos um terço do que eu lhe vier a dar a ele. E um mecenas que me pague as aulas de piano. E para isso, claro, que a tendinite passe como por milagre (vingue-se em qualquer outra articulação do meu corpo, mas poupe as minhas invulgares mãos). Mas eu já sei que estes são difíceis.
9 comentários:
Melhores dias virão
(é o título de um filme brasileiro, mas também é o tipo de frase que ganha sempre uns centímetros extra de verosimilhança sempre que um ano velho se apresta a ceder lugar àquele em que as folhas estão ainda em branco na agenda).
Força, força, camarada Sis
Leonardo
Pela excelente pessoa que demonstras ser,pelas coisas lindas que escreves,pelo enorme coração que tens não tenho duvida que encontrarás o teu grande amor.
Sê feliz...
Beijinhos.
Putas das insónias...
Obrigada mano. Obrigada Ourém.
Eu realmente acredito (inocente eu sei...) no Amor. E acredito (frase feita eu sei) que ele costuma aparecer quando não se procura, quando não se espera...
Just hang in there...
Ele há-de chegar... Ele está à tua procura agora mesmo, even if he doesn't knows that... (piroso eu sei...)
...
Não podia ler e não dizer nada. Lembro-me das folhas queridas e até hoje tenho-as guardadas num albúm a minha colecção... É engraçado de vez em quando revê-las...
Em relação à carta do Pai Natal, não queres pedir por mim também? Preciso de paz urgentemente como o corpo precisa de água mas enfim... Melhores dias virão para ti eu sei disso...
A cena do filme é qualquer coisa. Choro sempre nessa altura. A vida não é mesmo justa...
oh! eu ainda tenho folhas queridas guardadas algures em casa. Fazia trocas com as minhas amigas na escola... Hoje em dia não penso em fazer cartas ao Pai Natal pois sairiam quase disparatadas de tantos pedidos improváveis. Mas nunca se sabe se algum não passará.... :))
Hei Abelha
Tudo o que queres imaginar...Só podes imaginar. Que tal começar a viver?
Nem imaginas o que me aconteceu neste fim de semana em que estavas para vir e não vieste...
Curioso. O Mário também me pediu para o Natal tranquilidade e Paz de espírito. Ontem fui ao Continente e já tratei do assunto. Para ti já tinha comprado prenda, por isso não trouxe... se tivesse lido mais cedo...
Enviar um comentário