domingo, dezembro 18, 2005

Como não se consegue escrever sobre o vazio, vamos ao circo

Tenho muita coisa para contar.
E vou demorar-me. É trabalho de parto para lá de duas horas.
Se eu desse ouvidos aos meus amigos bloggers de referência, partia os posts. Fazia render o peixe, como uma novela, tinha posts para toda a semana, já nem me chateava a arranjar tempo para alimentar os leitores em plena quadra natalícia, entre arrumações, embrulhos e consumismo. Em vez de um, fazia três. Faria sempre em número ímpar, não podia ser de outra forma. O primeiro começava aqui. Chamar-se-ia "Amor aos Ímpares".
A Magui entranhou-me o amor pelos ímpares quando eu era pequena e fiz disso uma forma de vida. Só se compram flores em número ímpar. Foi assim que eu fiquei doente, com esta tara - a mais perturbadora de todas, com estes números que não se podem emparelhar (e isto explicava muita coisa, agora que penso: nasci no dia vinte e dois, capícua, e, por isso, menos mal; cresci no segundo andar do número vinte e dois, mas acaba aqui o meu negócio com o dois; o que é uma pena, porque como diria a minha amiga Aimee Mann: "One is the loneliest number that you'll ever do"; porém, a moça também diz que "Two can be as bad as one, it's the loneliest number since the number one") é a do volume do auto-rádio ter que estar sempre em ímpar.
O meu volume favorito é o 37. É alto demais. Mas a Carolina não se importa e, sempre que acaba a faixa de um qualquer CD que lá esteja a servir de banda sonora ao meu road rage (deixei praticamente de ouvir rádio), grita lá de trás, dando-me um pontapé no banco, do alto da sua cadeira alemã imoralmente cara: "MAAAIIIIIISSSSSSSS!!!!".
E isso deixa-me feliz. Porque, caros, escrever não é o que eu sei fazer melhor. Considero-me até sofrível na escrita, sobretudo agora, que deixei de saber para que servem os pontos finais e faço parêntesis com mais de mil caracteres lá dentro. E a propósito de pontuação (não sei se repararam, mas estou a esforçar-me neste post, eu nunca lhe disse, e que eu saiba ele também não é meu leitor, mas isto tem que ficar registado para a posteridade: eu não saberia pontuar tão bem com vírgulas, se não fosse a infindável paciência e generosidade do Paulo Madeira, meu sub-editor durante uma infindade de tempo).
E hoje, a cantar em coro com a Elis o "Como os nossos pais", nasalada, meia rouca ainda da amigdalite, 140 quilómetros hora pela A5 a dentro, pisca esquerdo sem descanso, e "a minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos, nós ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais", e eu a achar isto belo e verdadeiro, universal e absoluto, a vida a repetir-se, sou morena, não sou loira como a minha mãe, temos a boca parecida, porém, carnuda, e é tudo tão replay que já comecei a não me amofinar (é o que ela me diz, quando eu lhe conto mais uma desventura e eu conto todas as minhas desventuras à minha mãe e ela: Não te amofines, filha).
E contando-lhe tudo, no café das velhas, na esquina da Gama Barros, ela passa-me o certificado oficial de que não estou ainda a fazer nada de muito horrível, estou apenas a tentar encontrar o caminho para dias mais úteis e, portanto, mais felizes, e com esse carimbo na mão, mando-me mais uma vez de cabeça, e mais uma vez, também, me dou mal.
Às vezes, a minha progenitora loira, sem um único dente nas gengivas, é má e diz que os homens só servem para procriar, para garantir a continuação da espécie, que os humanos teriam mais a ganhar em ser como as viúvas negras ou os louva-a-deus, que matam os machos após ou durante a cópula.
Às vezes diz que eu estou às portas dos 30 e eu fico triste por ninguém me pegar, olho no espelho, procuro defeitos, sei que tenho um nariz estranho, com personalidade, como diz o Ganilho, e sou ligeiramente estrábica. Há a história do duplo queixo quando me rio com a alma e dois sinais de nascença enormes, em locais estratégicos.
Depois, há dias em que a Magui me recebe em casa com um artigo da Science et Vie que afirma, baseado num estudo realizado à escala mundial, que a proporção do meu corpo é a mais apreciada pelos homens (cintura 70/ anca 100, não falam é das mamas no artigo, enfim...). Diz isto para ver se eu não me recuso a comer o jantar, feito com carinho (e ainda não nos refizemos, mãe e filha, de termos comido sanchas apenas uma vez, neste Inverno), diz isto para ver se eu meto na cabeça que não é defeito meu. Mas depois não se alonga, fez o seu dever maternal e muda de assunto de rompante, revelando-me que descobriu no Discovery Channel que todos os dias damos, pelo menos, trinta peidos. E eu a rir como o Filipe Sena (ela é que o diz; é um riso que dá vontade de rir): "Eu não ! Não dou trinta peidos por dia!" E a minha mãe: "Dás, dás, porque senão estavas muito mal. Isto é o mínimo diário".
Mas "não quero lhe falar, meu grande amor, das coisas que aconteceram comigo". Este à parte foi por causa do "Como os nossos pais".
A Carolina não sabe falar quase nada, mas já trauteia os clássicos, de tanto os ouvir aos altos berros no carro (gosta do Pedaço de mim, do Chico, que, para mim, Ana, é a melhor de todas). E isso faz-me feliz (mas não a obrigo a tocar piano se ela não quiser e desejo, francamente que desejo, que ela seja como o tio, genial, ou então média, normal, apenas não desejo que seja satisfaz bastante, como a mãe, porque não há nada pior do que falhar por um bocadinho).

O segundo post começava aqui, se eu os conseguisse dividir.
Não faz sentido parti-los. Só existem porque eu me sentei no sofá ex-laranja, camufaldo de verde fluorescente, porque me sentei e senti vontade de escrever para encher o vazio de um quarto andar sobre a Duque de Loulé, porque são três e um quarto da manhã e eu ainda não tenho sono. E quem não tem paciência para os ler, quem acha que a letra é demasiado miudinha e de difícil leitura porque o fundo é preto, está, inequivocamente, no blog errado: aqui não há quase filtros, escreve-se lençóis que se deixam a corar ao sol. Omitem-se os pontos finais e, de vez em quando, os nomes dos implicados nas histórias. Há apenas um tabú, recente: a história que de mau gosto que me bateu à porta e me esvaziou (a mim e à menina das bolinhas). Apenas se a nomeia. Ficam a saber que aconteceu algo terrível, algo que eu considero terrível. Comigo e com a minha amiga.
O segundo post devia chamar-se assim, O Inominável.
Mas não tinha nada a ver com a tal história. Tem a ver com um sonho que me visitou nas poucas horas que dormi na noite passada. O incitável mais citado deste blogue tem cunha nos Pestanas e meteu-se entre os lençóis comigo (salvo seja). No sonho, apareceu apenas para me dizer isto: "Oh Calimera, qual é o dramalhão hoje?" E depois de perguntar por novidades do mundo da alta política e de eu, como sempre, não ter nenhuma para lhe contar, isso é a sua área de excelência - por acaso tenho uma novidade do mundo da liliputiana política e por acaso era boa para o jornal do mano -, rectificou-me: Oh, gaja! Estás sempre a citar-me no teu blog. Não dizes é o meu nome. Logo, eu não devo ser tratado por incitável, mas sim, por inominável".
Assim funciona o meu cérebro. Nunca pára. E não perde uma boa oportunidade para me rectificar. E assim acaba o segundo post (tudo escrito sem cigarros; a minha amiga deu-me cigarros finos para o caminho, mas ficaram no tabelier do Idea).

O terceiro chama-se Circo.
Eu fui ao circo pela primeira vez aos 24 anos. Foi a minha querida M. (aka "Astride") quem me levou, era muito cedo, muito manhã e eu nessa altura também quase não dormia, fomos no Corsa preto, fomos ver o Circo do senhor Vitor Hugo Cardinalli, que é fino (com um nome destes, com dois éles o que é que se esperava?) e fixou morada no Parque das Nações. Dias depois, a mesma M. levou-me ao circo chinês, no Pavilhão Atlântico.
Com 20 anos de atraso, alguém se dignou a levar-me ao circo. Duas vezes na mesma semana. Alegria demais para uma criança à porta dos 25 anos. Adorei as "Magníficas pirâmides" de elefantes do Cardinalli. E quis ir tirar uma foto com os tigres bébés, mas a M. não alinhou. Bati palmas, muitas, ri-me, tive pena quando acabou. Gostei mais deste circo bas fond, com aquela do "magnífica pirâmide" do que a belíssima versão chinesa.
Lá em casa, o pessoal sempre foi eclético, discutia-se política nacional e internacional ao almoço, e eu apenas queria fazer vestidos para as minhas Barbies e, no máximo, ler os contos da Condessa de Ségur. E ir ao Circo, mas a Magui não gosta de palhaços. E o meu mano, nessa altura, decerto, preocupava-se com a ressaca do 25 do 4 e para onde caminhava este país. Pouco o inquietavam os tigres, os leões, os engolidores de fogo e malabaristas. Muito menos os palhaços.
Amanhã vou ao circo com o meu irmão, com vinte anos de atraso. A minha filha, de dois anos apenas, há-de ir ao circo todos os anos.
Como os dias têm sido uma fun fair, levo comigo a menina que tem lábios que parecem rosas de santa Teresinha. Que só por isso não se chama Beatriz ou Carolina (estou certa, não estou? foi este o primeiro post que eu comentei no teu blog, parece-me)

8.200 caracteres. Porque hoje é Domingo.

12 comentários:

Dia disse...

Quatro da manhã. Uma hora e 43 minutos a parir. UI! Mas o menino até é bonitinho...

Mary Lamb disse...

O meu também vai ao circo todos os anos...E é bonitinho, sim senhora!

Filipe Simões disse...

A escrever pela madrugada dentro sobre várias coisas que te marcam ou que são dignas de serem reportadas aqui no teu blog é sempre interessante.
Eu posso-te dizer que fui várias vezes ao circo em criança,agora é algo que já não me atrai,mas se um dia tiver o prazer de ser pai irei com certeza levar os meus filhos ao circo sempre que eles pedirem e eu puder.
Acredito na familia e no amor,onde esse amor deve ou devia ser eterno.
Beijinhos.

[ t ] disse...

foi esse sim. carolina ou beatriz. e eu que fiquei surpreendida porque nunca te julguei por lá...

Carrie disse...

Não gosto de circo, talvez por ter passado anos a ser arrastada para dentro de uma tenda, onde era obrigada a ver a triste figura dos palhaços, que por qualquer razão sempre odiei. Confesso que tenho pena dos meus filhos, se algum dia os vier a ter… talvez a tia os leve.

[ t ] disse...

afinal não foi não. (andei no zapping again) o primeiro foi sobre os odiados sábados. enfim...

Anónimo disse...

Pois quem não gosta de palhaços (como eu não gostava até há bem pouco tempo, porque achava que nos tratavam com atrasados mentais com problemas auditivos) tem de ir ver o Slava, que alguém apelidou de o melhor palhaço do mundo. Esse sim (e os sus amigos) vale a pena. Tem um humor simples e inteligente, acessível a crianças e adultos. Foi dos melhores espectáculos que vi nos últimos anos. E acreditem que vi muitos (a minha profissão pode ter muitas desvantagens, mas tem também muitos bilhetes à borla). Foi tão bom, que o meu pai, que já cá anda há 71 anos disse que foi "a melhor prenda de anos antecipada que já recebeu na vida"... e o melhor é que foi daqueles bilhetes inesperados às 19h.. para o próprio dia às 21. "Tens planos para hoje? Se não tiveres tenho aqui 3 bilhetes de alguém que desistiu". Consta que vem de 3 em 3 anos. Por isso em 2008 cá estará. E com bilhetes à borla ou a pagar, hei-de levar-te, a ti e à Carolina, para que além de "magnificas pirâmides" passem também a gostar de palhaços. [desculpa a apropriação do espaço, mas uma vez que não tenho blog...] ;-) Astride.

Mary Mary disse...

M ainda bem que descobriste o maior, o único e o especial Slava... Apaixonei-me por esse palhaço há dois anos quando trabalhava no CCB e foi de tal maneira que o vi 15 vezes, ou seja, vi todos há dois anos. Na sexta voltei a vê-lo e mais uma vez voltei a ser criança... E levei uma pessoa que tinha medo de palhaços e no final ela gostou, não perdeu o medo mas ficou arrepiada com a cena final...

Dia, tens mesmo que ir ver o Slava e ele vem cá de 2 em 2 anos. E tenho a certeza que a pequena Carolina vai adorar...

No meu blog neste momento toca a música final do espectáculo, em que Slava simplesmente senta-se no palco a ver as pessoas a brincarem...

[ t ] disse...

venho cá outra vez. como não sei contar histórias surreais, exijo como tua leitor atenta (em demasia) que contes as histórias surreais (as de hoje também). é como te disse lisboa não está preparada para duas doidas. em fevereiro começo a procurar casa (e desta é a sério).*** para ti doida adorada.

Dia disse...

Teresinha, sentei o rabo no sofá. Devia ir passar a ferro, ou pôr a casa bonitinha para te receber a ti e ao Ganilho num dia próximo, mas urge escrever depressinha a cadência de acontecimentos loucos que teimam em nos acontecer.
vou parir e já venho.

Mary Lamb disse...

Estamos todos á espera!

MPR disse...

Não posso mesmo ficar dois dias sem cá vir, que sou surpreendido uma vez mais (mas eu anida me surpreendo?) com a cadência vertiginosa dos teus textos...
Sem dúvida parto dificil mas um belo texto, mesmo para quem, como eu, apanha estas coisas do ar, como as bolas de sabão do Slava...