quinta-feira, dezembro 15, 2005

Doidas, doidas, doidas andam as formigas

Eu nem ia ligar o computador esta noite.
Esta noite, sei-o, vou dormir sem sonhos.
Mas decidi, meia hora depois de lutar com o esquentador por uma chamazita forte que me desse água quente, água a escaldar, para eu fazer uma sabonária (ou saponária?) bem potente para me limpar do lixo dos últimos dias (a cidade está cheia de lixo, já repararam como a cidade está cheia de lixo?), meia hora com o dedo a carregar no botão do esquentador (Bruno, socorro e não, não consigo saber qual é o modelo do esquentador, apenas que se chama Vulcano), meia hora a estudar todos os movimentos das formigas que enlouqueceram e decidiram fazer-me companhia em noites de insónia, trinta minutos a tentar perceber se aquela grande da foto será a formiga-rainha (ou isso é as abelhas?), meia hora a rir sozinha que nem louca na cozinha-bordel: com as formigas que ensandeceram (eu não as matei, claro, dei-lhes um prazo para desaparecerem da mesma forma que apareceram, do nada), eu a rir com o técnico de seguros da Zurich que me telefonou e diz que a Polícia tem os meus dados, que eu presenciei um acidente na A8 que meteu tiros e tudo - e eu: não fui eu, eu sei que o senhor tem os meus dados, mas eu acho que me lembrava se tivesse assistido a um tiroteio na A8. E, numa micro-fracção de segundo, a pensar cá para comigo: ou passei a ténue linha e enlouqueci, ou é da droga, mas eu não me drogo já há algum tempo, não tomei nada hoje, nem almoçei, portanto, é impossível ter ingerido alguma coisa alucinogénea, porque simplesmente não comi, alimentei-me de um maço e meio de cigarros. E eu para a Anabela, que era a única viv'alma que estava ao pé de mim: tu ouviste este telefonema, não ouviste? Isto está a acontecer, não está? E ela a dizer que sim, a rir-se, e eu a achar que se calhar não foi desta, que ainda me aguento lúcida por mais uns tempos, mas isto foi antes de o taxista me levar a contra-gosto até à casa dos Bicos, porque estava muito trânsito, porque, disse-me: "não sabe que só se anda de transportes públicos a esta hora do dia, nunca de carro?", e eu a dizer para ele estar manso, o Pedro ao telemóvel comigo e eu a dizer-lhe para ele estar manso, que de uma queixa na Retalis já não se livrava. O Pedro a dizer-me, encostado ao meu ouvido direito, para eu sair do carro e apanhar outro táxi, mas não, obriguei-o a ir até ao fim, e o gajo a bufar o tempo todo, com o rádio aos berros apesar de eu estar a contar ao telefone a minha triste história ao meu ex-marido, o gajo nervoso e eu a rir da minha desgraça com o Pedro, e o Pedro a achar que desta vez é que foi, que me superei, que a vida me deu uma overdose de uma droga potentíssima chamada inesperado, o fogareiro a bater no volante com as mãos, marcando o ritmo da música da sua raiva por mim, e chegados à casa de de nome sugestivo do Campo das Cebolas, passou o recibo da corrida e depois chamou-me puta pela janela (estás bem fodido comigo, motorista do 659, não ouviste a Isabela - esta só tem um éle - a chamar pelo rádio um crédito à rua Viriato em nome de Diana Ralha? Estás a ver o apelido, otário? Achas que é por acaso, meu grande filho da puta?)
Tenho um blogue novo, onde ainda não escrevi nada. Era para histórias de filme B como a que aconteceu entre ontem e hoje, a mim e à minha amiga. Mas esta não fica escrita. A palavra escrita é a mais poderosa das armas, é a Beretta que eu melhor manejo, a palavra escrita não é etérea como a falada, perpetua-se no tempo, pode nunca desaparecer, sobretudo aqui, no computador e na Internet. A palavra escrita em papel rasga-se ou queima-se, que é mais bonito, e acaba. Os ficheiros binários, zeros e uns a dar com um pau, são como os deuses, são eternos diria eu, porque depois de apagados vão para onde? Ninguém sabe e eu imagino um cemitério bonito com ciprestes e jazigos de famílias nobres e cruzes simples das famílias mais humildes. E esta história é tão feia que não merece ser escrita em lado nenhum. Para a posteridade ficam os cinco meses de uma história de amor que eu escrevi neste blog. Que nunca existiu. Apenas na minha cabeça.

Como sempre escrevo demais. Obrigada aos que conseguem ler os lençóis.
Vou dormir. Estou com sono. Espero que a caixinha de madeira gasta esteja já a dormir também.

5 comentários:

MPR disse...

Já dá para comentar!
Um pequeno aparte. Muitos blogs, muitos posts sobre desgostos de amor, desilusões de vida, dor e sofrimento. Talvez por atravessar uma fase particularmente boa e ter encontrado a minha paz, o meu centro, parecem-me esses posts todos iguais e como tal indiferentes. Insensibilidade minha eu sei, de quem olha demasiado para o seu próprio umbigo. No entanto, através da escrita e da abordagem não linear (mas sem pretensões excessivas a uma intelectualidade abstracta absurda) do teus textos, consigo realmente indentificar-me... Lembrar-me que a minha própria vida nem sempre foi assim, voltar a tempos em que a mim me doía...
Distante, e sem poder ajudar, mantenho-me um leitor atento, interessado e fiel...
Um abraço...

Dia disse...

Obrigada por não me fazeres sentir igual aos outros neuróticos dos milhares de blogues que para aí andam (eu às vezes sinto-me vulgar com tanta tristeza . Acredites ou não, eu sou bem melhor a rir do que a chorar. :)

Filipe Simões disse...

A tua vida dava um filme de muita acção e muita loucura.
Beijinhos.

MPR disse...

Acredito ;)

Carrie disse...

Se todos os lençois foram como este podes continuar.
PS: Se encontrar a saída deixo-te aqui o mapa