Fervor - ou sempre dependi da bondade dos estranhos (e amanhã vou comer um bife ao Snob)
Nove horas sem pegar no computador, o senhor Ibook voador, o que fica bem em qualquer decoração, na sala, no quarto (fica bestialmente bem no quarto, em cima da cómoda manhosa do IKEA, em frente à jarra que tem as canas chinesas de um metro de altura), junto ao cesto dos brinquedos do quarto fluorescente da metade loira de mim (parece outro brinquedo), na cozinha bordel, em cima do tampo frio de mármore, ou mesmo na casa de banho laranja, onde chove por um foco de halogéneo (e como não tenho gajo, o empreiteiro disse há 3 semanas que vinha cá reparar o problema e é o viste-o) e na qual costumo escrever de manhã, sentada por cima do tampo da sanita, geralmente me trajes menores, enquanto a Carolina chapinha à vontade entre patos e polvos de borracha e embalagens várias de shampôs, máscaras e condicionadores para o meu interminável e delator cabelo (hoje medi-o; são 78 centímetros de comprimento, senhores, e a minha filha diz: Sim, sim, sim!, com tom orgásmico, sempre que vê o anúncio do Herbal Essences, e a mãezinha até usa o de Roma e abacate, salvo errro, mas nunca se sucedem tais ais durante o enxaguamento. "E a nós o que é que nos dão? Bananas...", e a Carolina desata aos pulos na sala dos gatos da Magui sempre que vê os macacos que dão a "punch line" final do anúncio - não liga ao Noddy, nem ao Franklyn, muito menos ao política e ecologicamente correcto Verdokas, mas é vidrada em publicidade; a primeira melodia que cantou era um jingle de pensos higiénicos da Ausónia).
Nove horas, entre Santa Marta, Guerra Junqueiro, Estados Unidos da América e o Carregado. Nove horas a escrever posts na cabeça, a agonizar por não ter um chip implantado debaixo do braço, como o que o Dr Mário enfiou pelo cachaço do Pax e da Maria a dentro, três milímetros de diamêtro debaixo da pele com todos os seus dados canídeos, não se sente ao tacto, muito menos a olho nú, ou a olho vestido com casaco de peles (sintéticas, para sermos politicamente correctos como o Verdoskas; no outro dia entrei em transe com o começo de um episódio deste desenho animado que passa no Panda, escrevi e tudo para não me esquecer, dizia assim: "O Verdoskas pensa globalmente e age localmente; achei isto perturbador, mudei logo de canal, pus na TVI que estava a dar publicidade), o chip está lá e ninguém sabe, e depois, imagino isto muitas muitas vezes: como será? Passam o cão num leitor óptico como os que há nas caixas dos supermercados e ficam logo a saber tudo sobre o animal? (o chip do Pax diz que ele é um grand danois - é mentira, é um grand danois manhoso, de terceira categoria, corpulência de gigante e pêlo de Labrador -, e vai ao pormenor de especificar que o belo animal que fui buscar há quatro anos e meio a Torres Novas, tem uma cicatriz no lábio superior, do lado direito, e isto, caros, é altruísmo, é amor aos animais, ou apenas loucura: não fiz uma mamoplastia para ter um peito 38, mas o Pax fez uma plástica ao lábio para não parecer um burro preto com lábio luperino).
E eu queria um chip destes, que guardasse todos os textos que passaram à velocidade da luz pela minha consciência (nenhum deles apareceu ainda neste post, eu começo a escrever e não sai nunca como tinha pensado, por isso mesmo é que eu preciso de um chip), posts inteiros enquanto calcorreava a A1, sentido sul-norte, a 180 quilómetros à hora, Ben Harper em volume 43, maravilhada com o espectáculo desolador da Cimpor, parada na portagem a pensar, mais uma vez: é a pior profissão do mundo, nem puta nem homem do lixo se lhe comparam, quem serão estas pessoas, os portageiros? E quando eles querem mijar, como é que fazem?
Nove horas feita barata tonta à cata de presentes de Natal, e tudo o que consegui comprar foram uns copos kitsch imoralmente caros no Depósito da Marinha Grande para mim mesma.
Nove horas a matutar na conversa de treta da manhã, nove horas a mutilar o dedo indicador e o pai de todos da mão direita, estou nervosa, estou nervosa como já não me lembrava que se pudesse estar, uma panela de pressão, ainda não me deu para chorar, estou na fase imediatamente anterior, daqui a precisamente dez horas (bateram agora as doze badaladas da meia noite; sei disto porque a vizinha do lado tem um relógio desses) entrego a minha filha pela primeira vez, durante todo um fim-de-semana, ao seu progenitor.
Estou a pagar os copos com o Visa, a começar a achar que a Magui vai ter que me substituir novamente no pagamento do cartão este mês porque este mês para além dos natais, aniversários e afins vai cair, também, o seguro contra todos os riscos do meu Idea, a achar que sou louca por comprar uns copos tão caros e surreais, estou já arrependida de os ter comprado, e quem é que me entra pelo telemóvel a dentro? Quem é que me vai por a pastar na primeira noite de liberdade/ agonia, depois de dois anos de clausura e dedicação maternal?
Uma perfeita estranha. E vamos comer um bife ao Snob. É o meu primeiro desejo.
Sempre dependi da bondade dos estranhos, como a outra, a do filme, que tinha um feitiozinho de merda, uma cinturinha de vespa e um vestido feito de cortinas - eu só tenho o feitiozinho, a cinturinha, enfim, deixa-me medir, 69 centímetros, já cá faltava, que contrastam, deixa-me ser precisa novamente, com 98 de anca, jesus, que tenho que emagrecer, e as cortinas, já disse isto à minha estranha de estimação, não vou fazer um vestido com elas, mas, daqui a dez horas entrego a miúda, enfio-me no Idea, vou passear para a bela e degradante Almirante Reis e depois subo a Morais Soares e não volto para casa enquanto não encontrar umas cortinas de renda ou de crochet que quero tingir de encarnado para pendurar no quarto.
Enquanto escrevi este post fumei oito cigarros, pus o dedo indicador direito em carne viva de tanto o enfiar na boca e roer com o stress, falei com o meu esposo literário que me contou um lindo segredo pantanoso, e li um post do camandro sobre perús, que não posso linkar, porque é perigoso e ele agora passou também a ser incitável.
2 comentários:
Fazes colecção... Já tens para a troca?
sim. sou perfeita.
ass. thê a estranha (risos)
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